sexta-feira, 10 de maio de 2013

BRASIL: "Agronegócio é inimigo do trabalhador rural e da agricultura familiar", diz secretária da Fetaema

Maria Lúcia Vieira, atual secretária de Política Agrária da Fetaema (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais na Agricultura do Estado do Maranhão), em entrevista fala sobre a política com relaçao ao agronegócio e à agricultura familiar no Estado do Maranhão, considerado o mais pobre do Brasil e onde a fome é um flagelo que atinge cada vez um maior número de famílias.


No início dos anos 90, a soja representava 1% da área cultivada. Hoje, este percentual subiu para 33%, representando um aumento de 3000%. Os dados foram passados pelo historiador Wagner Cabral da Costa, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), durante uma assembleia geral da Fetaema, em março deste ano.

Com isto, os cultivos de feijão, arroz e milho foram sendo substituídos, com enormes conseqüências para a população, destacando-se o êxodo rural, os conflitos pela terra e a escassez de alimentos.

Atualmente, os maranhenses sofrem com o aumento alarmante de famílias obrigadas a emigrar para o Pará ou a outras cidades, em função do avanço da concentração de terra.

Reproduzimos, na íntegra, a entrevista publicada na 41ª edição do jornal da entidade.

Da Redação Anppa


ENTREVISTA COM SECRETÁRIA DA FETAEMA

Vias de Fato - Nos últimos 20 anos o agronegócio aumentou muito no Maranhão, enquanto a agricultura familiar perdeu espaço. A soja, por exemplo, que até os anos 80 praticamente não existia em nosso estado, hoje já ocupa 33% da nossa área plantada e aproximadamente 25% das exportações maranhenses. Qual sua opinião a respeito disso?

Maria Lúcia - Esta é uma realidade triste e muito ruim. O Maranhão hoje tem suas terras exploradas e devastadas pelo agronegócio, que não deixa nada de bom nos municípios. Ele concentra a terra, não distribui riqueza, não gera emprego e nem paga impostos municipais ou estaduais. É degradante. Nas mínimas coisas ele destrói. Passa por cima de tudo. Por conta do agronegócio, o impacto social é muito grande. O lavrador deixa sua terra, vem para a periferia das cidades e seus filhos ficam expostos ao desemprego, às drogas e à prostituição.

Vias de Fato - O avanço do agronegócio também aumenta a questão dos conflitos de terra. Isto é público e notório.

Maria Lúcia - Hoje a violência novamente está aumentando [enquanto era feita esta entrevista, dona Maria Lucia recebia uma ligação falando de uma liminar para despejar famílias no município de Pindaré]. Nos últimos dias, nos chegou a informação que um lavrador foi assassinado, agora, no dia 28 de março, em Butiticupu, em plena praça pública. E tudo por conta de conflito pela posse da terra. Isso tem se tornado comum, por conta do avanço do agronegócio. Em Buriticupu, há menos de um ano foi assassinado um sindicalista rural, o Cabeça, também por conta de conflito de terra. Esta violência se espalha por praticamente todas as regiões do nosso Estado. O Maranhão e o Pará são os Estados do Brasil onde existem os maiores índices de violência por conta de conflito no campo. Com um terrível detalhe de que, hoje, vivem no Pará quase 500 mil maranhenses.

Vias de Fato - A senhora citou os milhares de maranhense que hoje vivem no Pará. Atualmente, existem mais de um milhão e quinhentos mil maranhenses vivendo fora do Estado. Em sua opinião, qual a relação desse êxodo, com a falta de terras para os lavradores e o avanço do agronegócio?

Maria Lúcia - Isto é uma consequência direta da concentração de terra. A partir do momento que a terra ficou concentrada na mão de poucos, os trabalhadores rurais são obrigados a sair do campo. E os seus filhos deixam o Maranhão. Muitos vão ser escravizados, submetidos a trabalhos degradantes.

Vias de Fato - Seria correto afirmar que hoje a soja – ao lado de outros setores do agronegócio - é inimiga do povo maranhense?

Maria Lúcia – Com certeza o agronegócio é inimigo do trabalhador rural. É inimigo da agricultura familiar. Onde antes havia a agricultura familiar, hoje tem a soja, o eucalipto...

Vias de Fato – E neste avanço do agronegócio ainda tem muita fraude cartorial?

Maria Lúcia - Tem sim! O agronegócio tem toda a facilidade para conseguir certidões falsas. Tem todo um método que envolve cartórios e os políticos do Maranhão, incluindo prefeitos e deputados.

Vias de Fato - Além da soja e do eucalipto, a senhora poderia dar outro exemplo de como o agronegócio tem massacrado o povo do Maranhão?

Maria Lúcia - A cana de açúcar, por exemplo, é outro problema. No município de Coelho Neto 80% das terras estão entregues a cana, com o grupo João Santos. E lá o INCRA diz que só vai ter vistoria em 2016.

Vias de Fato – Por quê?

Mara Lúcia - Porque o grupo João Santos tem força política e barra as vistorias.
Vias de Fato - As vistorias que possibilitariam a reforma agrária?

Maria Lúcia - Exatamente.

Vias de Fato - O agronegócio já conta com uma série de isenções fiscais. No entanto, a agricultura familiar não tem investimento. Hoje, menos de 1% do orçamento do governo Roseana é investido na agricultura. Fale sobre isso.

Maria Lúcia - Isso mostra o tamanho da importância que este governo dá para a agricultura familiar. Isso é constrangedor! E numa época em que pode haver uma crise de abastecimento, onde se está vendo esta subida de preço na cesta básica. Isso é triste e nós não concordamos com esta forma de ação do governo.

Vias de Fato - Ainda neste ponto, este mesmo governo Roseana, gasta milhões com propaganda exaltado a Suzano, a Soja e outros empreendimentos do agronegócio. Qual sua opinião a respeito dessa propaganda?

Maria Lúcia - Primeiro é importante dizer que se trata de uma propaganda enganosa. Mostra uma realidade que não existe. Uma prosperidade que é falsa. Assim como também é enganosa a propaganda que o governo faz falando sobre a entrega de títulos de terra, pois onde a propaganda fala nestes títulos, não existe nenhum investimento. Falta tudo, começando pela infraestrutura.

Vias de Fato - É possível falar em mudança no Maranhão sem discutir a questão do uso da terra? Sem discutir este modelo? É possível mudar a nossa realidade sem um investimento pesado na agricultura familiar?

Maria Lúcia - No meu entendimento não é possível. Tem que ter um investimento na agricultura familiar. Este modelo que está aí vai continuar promovendo e reproduzindo miséria. Hoje não existe nada para mudar o modelo.

Vias de Fato - Na verdade o governo Roseana é aliado deste modelo que abre as portas para o agronegócio “passar o correntão”.

Maria Lúcia - Sim, trata-se de um governo aliado de um modelo que não serve para nós, os agricultores.

Vias de Fato - Existe todo um discurso dizendo também que a Bolsa Família tira o trabalhador rural de sua roça. Fale sobre isso.

Maria Lúcia - Como disse o professor Wagner Cabral na sua fala, lá na reunião da FETAEMA, o problema é que a Bolsa Família “não tem porta de saída”. Eu concordo com esta ideia. Tem trabalhador rural que pensa que aquilo é para a vida toda. E se acomoda. No primeiro momento foi bom. Bom demais! Porque antes não tinha nada! Mas, muitas pessoas não entendem que se trata de uma ação provisória. E isso cria uma acomodação. Então, falta a porta de saída. A Bolsa Família, do jeito que está hoje, só tem porta de entrada.

Vias de Fato - Voltando à política estadual, a senhora não acha que o Maranhão precisa de outra agenda social e econômica? Como é possível colocar em público esta agenda?

Maria Lúcia - Primeiro temos que trocar o governo e colocar pessoas que tenham compromisso com a agricultura familiar.

Vias de Fato - Qual o papel da sociedade civil, ligada ao setor popular?

Maria Lúcia - As organizações sociais ligadas à questão da terra, têm que seguir pressionando, mobilizando e tratando do problema. Este setor tem o papel fundamental de agendar a questão. De colocar, com autonomia, o problema junto à opinião pública.

Vias de Fato – E o projeto tratando do “Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário?”. Em que pé está?

Maria Lúcia - Nós estamos construindo! Estamos lutando a todo custo para tocá-lo em frente. Para transformá-lo, cada vez mais, em realidade. Existem comunidades no Maranhão onde o projeto está funcionando. Trata-se de um modelo que preserva o meio ambiente e produz alimento orgânico, sem agrotóxico. O projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário é uma proposta contra este modelo neoliberal que está aí, que tem o agronegócio como prioridade.