segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Equador: presidente anuncia fim do projeto que encantou o mundo, protegendo povos ancestrais e dando um passo rumo à era pós-petroleira


“O mundo falhou”. Com essas palavras, o presidente equatoriano Rafael Corrêa anunciou, em cadeia nacional, o fim do Projeto ITT Yasuní (campos Ishpingo, Tambococha e Tiputini), que preconizava manter o petróleo desta Reserva da Biosfera e Parque Nacional debaixo da terra “pela perpetuidade”, em troca de uma compensação financeira por parte dos países desenvolvidos estimada em US$3.600 milhões, durante 13 anos.


 O projeto foi lançado e aclamado no Equador e pela comunidade internacional, há seis anos, e se baseava em quatro premissas: 1 – mudar a matriz produtiva do país baseada na exploração petroleira; 2 – conservar a biodiversidade do Parque Yasuní, considerado uma das dez áreas mais ricas em biodiversidade no mundo; 3 – proteger os povos Huaorani e seus clãs Tagaeri e Taromenane, em isolamento voluntário, e 4 – mitigar os efeitos do aquecimento global no mundo.

O Parque Yasuní, além da incrível biodiversidade, abriga no seu subsolo aproximadamente 846 bilhões de barris de petróleo e tem sido um alvo cobiçado por empresas petroleiras, entre elas a Petrobras, que detinha o monopólio do bloque 31, localizado no interior desta Unidade de Conservação.

Em 2006, após protestos em todo o País contra a Petrobras, e denúncias veiculadas na imprensa equatoriana e por parte de alguns setores da sociedade brasileira (a Fase lançou um livro acusando a Petrobras de “duplo padrão” ao tentar fazer no Equador o que ela seria proibida no Brasil), a empresa anunciou a devolução do bloque 31 ao Estado equatoriano.

Após três anos da criação de um fundo junto à ONU para receber os aportes, a iniciativa alcançou apenas US$13.3 milhões em depósitos concretos, enquanto que outros US$116 milhões ficaram sob compromisso.

O anúncio gerou uma onda de protestos no País: além de marchas em cidades da Amazônia equatoriana como Puyo, neste sábado (17), em Quito centenas de manifestantes se aglomeraram em frente ao Palácio do Governo, neste domingo (18), exigindo que se faca uma Consulta Popular para que a decisão seja definida pela população.

Roque Sevilla, que liderou a comissão técnica do projeto Yasuní-ITT até 2010, sustenta que o fim da iniciativa, na verdade, se deu por causa de uma política ambiental controversa por parte de Corrêa: no momento do anúncio da Iniciativa ITT, o presidente deu a conhecer a opção B, que previa a exploração do ITT caso o fundo não atingisse o patamar esperado, o que teria desanimado alguns países interessados em contribuir.

Além disso, setores ecologistas denunciam outra contradição: pouco depois do anúncio da Iniciativa ITT, o presidente anunciou a criação de uma empresa estatal para explorar minerais no País, em zonas frágeis da Amazônia como a Cordilheira do Côndor, território dos índios Shuar, entre outros de cultura ancestral.

Nas palavras de Corrêa "a pior crise econômica global dos últimos 80 anos" teria sido uma das causas do fracasso, enfatizando que "o fator fundamental é a grande hipocrisia do mundo, e a lógica que prevalece não é a da justiça e sim do poder".

Segundo uma empresa de pesquisas de opinião, a Perfiles de Opinión, em junho de 2013 um total de 93% da população equatoriana em Quito e Guayaquil estavam de acordo com a Iniciativa Yasuní-ITT e 66% não apoiava a exploração, em caso de que não fossem conseguidos suficientes fundos.

Salvador Quishpe, governador de Morona Santiago, expressou em sua conta no Facebook que a Consulta Popular não é o caminho para reverter a decisão, já que estes povos estão assegurados pela Constituição aprovada em 2006, em Monte Christi, que estabeleceu, em seu artigo 57:

"Os territórios dos povos em isolamento voluntário são de posse ancestral irredutível e intangível, e neles está proibido todo tipo de atividade extrativista".

Para Alberto Acosta, ex-presidente da Assembleia de Monte Christi e ex-ministro de Minas e Energia no governo de Corrêa, o fracasso é de responsabilidade, primeiramente, do próprio presidente.

“Não era apenas um projeto econômico. Era um passo gigante na trilha do pós-extrativismo e, sobretudo, era um projeto ético, politicamente ético, no qual se envolviam os direitos de grupos vulneráveis e os direitos da natureza, previstos na Constituição, e que têm sido minimizados pelo presidente da República”, afirma um dos maiores entusiastas do projeto.

Por Anppa