No Estado do Acre, falar sobre as conseqüências da exploração petroleira
no rio Juruá pode ser motivo de perseguição. A entrevista do
professor Oswaldo Sevá foi censurada duas vezes antes de receber acolhida no
blog do Altino. Publicamos o material na íntegra e recomendamos sua reprodução
por todos os meios de comunicação independentes, como forma de furar este
bloqueio.
Oswaldo Sevá Filho é
professor dos cursos de doutorado em Ciências Sociais e em Antropologia Social
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Sevá informa que a
entrevista a seguir foi concedida por e-mail em 16 e 19 de fevereiro de
2013.
Quais impactos podem
sofrer as populações que vivem nas regiões onde estão sendo realizados os
estudos?
Todas as pessoas residentes nas áreas onde são
feitos sobrevoos, coletas de solo para análise e a exploração chamada de
“sísmica” ficam sujeitas aos transtornos e aos eventos usuais dessa atividade
em qualquer parte do mundo. Isso inclui desde assustar pessoas desprevenidas,
espantar os animais e prejudicar a caça, a abertura de pontos de pouso de
aeronaves e de picadas e estradas na selva, até os efeitos da “invasão” dos
locais por operários e técnicos vindos de fora e que ali ficam por curtos
períodos. Infelizmente, é uma indústria arrogante e que age sempre na pressa e
frequentemente ignorando os direitos dos moradores, ou seja, age na
ilegalidade ou na sua franja.
Esta semana foi
anunciado que encontraram sinais de hidrocarboneto perto de uma aldeia. Que
tipo de consequências podem acontecer a partir dessa informação?
O “anúncio” feito, se podemos nos basear pela
matéria do G1 de 13 de fevereiro é uma peça meramente publicitária e
incoerente, não menciona nenhuma pessoa que tenha dito que encontrou indícios
físicos da algum hidrocarboneto. Nas atividades da empresa Georadar é
impossível obter indícios de óleo, pois são sobrevoos, coletas de material no
solo e a chamada “sísmica”. Segundo a matéria, o coordenador da Funai é que
afirmou que os índios Poianaua “colheram amostras de liquido oleoso” em poços
abertos pela Petrobrás há 20 anos. Como assim ? o liquido estava na superfície?
O poço não estava tampado? “Índio colher amostra” já é em si algo
estranho, e nesse caso, não tem nada a ver com a fase de prospecção atual feita
pelo Georadar. A conseqüência dessa divulgação é uma só: é o próprio objetivo
da divulgação, dar o tiro de partida para o assédio sobre os índios, visando
fragilizá-los, flexibilizá-los, dividi-los, não somente os Poianaua mas todos
os demais na região do Juruá, no Acre e no Amazonas. É a ponta de um novelo
terrível, que seria a “liberação” das terras da União dentro dos perímetros
indígenas e de unidades de conservação para a exploração econômica, do
petróleo, de ouro, hidrelétrica, madeireira. Para isso, está sendo mexido no
Código da Mineração e em todo o aparato legal para impor os tais “projetos
estratégicos” do capitalismo no meio da selva.
Esse tipo de estudo já
acontece na Amazônia desde a década de 70, pelo menos. O senhor acredita que o
resultado pode chegar a representar futuramente um retorno comercial que
compense os prejuízos causados pela prospecção?
Não tenho acesso aos dados para poder
responder. A indústria petrolífera busca sempre hidrocarbonetos e informação
sobre o subsolo; é isso que está sendo feito é para um trabalhoso mapa de
informações sobre o subsolo da bacia sedimentar do Juruá, do lado brasileiro,
pois do lado peruano a coisa já está bem mais avançada. Se um dia encontrarem
óleo ou gás com qualidade e quantidade suficientes para a exploração comercial,
aí a coisa muda de figura, pois tem que ser resolvido para onde e como esse
material será despachado para processamento e posterior venda dos derivados.
Basta acompanhar como foi em Urucu, no centro do Amazonas, desde a primeira
grande descoberta, em 1986, para se ter uma ideia da complexidade e dos longos
tempos de execução. O gasoduto para Manaus, com pouco mais de 600 km de
extensão, somente ficou pronto, operacional, em 2010, 2011. E só foi feito
porque existe um grande mercado consumidor que são as usinas
termelétricas. Se for encontrado material de interesse comercial no Alto
Juruá, no Acre, qualquer forma de despacho, seja para Manaus, ou para o Peru,
será muitas vezes mais cara e com mais consequências danosas do que em Urucu.
A região amazônica é um
local apropriado para se fazer esse tipo de estudo geofísico?
Para essa indústria, qualquer local onde o
subsolo tenha uma camada sedimentar que sepultou matéria orgânica de centenas
de milhões atrás é um local “apropriado”. A região amazônica ainda não
destruída deveria ter outras destinações, inclusive econômicas e sociais.
Infelizmente, o que está sendo feito atualmente, com o apoio explícito e a
própria indução dos governos, é para extrair dela o máximo possível de
minérios, combustíveis, eletricidade, princípios ativos e patrimônio genético.
O senhor acha que essa
ação pode motivar empresas estrangeiras a tentarem se beneficiar com os mesmos
recursos (estudos geofísicos) e assim deixar os nativos ainda mais suscetíveis
aos riscos?
Na indústria petrolífera, não há nacionais e
estrangeiros, toda ela é uma indústria internacionalizada; os dados dos estudos
valem muito e entre a fase atual, a entrega de dados para a agência reguladora
ANP e a futura inclusão dessas áreas nas licitações, instala-se uma verdadeira
guerra de bastidores sobre as características do subsolo da região. Não apenas
os chamados nativos mas, insisto, toda a população residente na área e no
entorno estarão sempre sob risco, mesmo que a empresa tenha capital de maioria
brasileira.
Se quiser comentar algo
que considere relevante e não tenha sido abordado em qualquer uma das perguntas
acima, fique a vontade. Aguardarei sua resposta de retorno.
A exploração de petróleo e gás em diversos
pontos da Amazônia já é uma realidade, em geral conflitiva. Basta acompanhar os
casos de Camisea, no leste do Peru, da região de Puccalpa e do rio Napo, também
no Peru, de Sucumbios e do parque Yasuni, no Equador, vários casos,
na Colombia. Os leitores interessados deveriam ver com cuidado o que está
acontecendo justamente agora, na fronteira Brasil-Peru, próximo da Serra do
Divisor, no Alto Juruá e no Alto Purus, com a "invasão' da floresta por
empresas de todo o mundo que fazem prospecção após as rodadas de "leilões"
feitas pelos governos entreguistas de Toledo e de Garcia no país vizinho; e a
batalha da Federação Indígena para limitar e bloquear os estragos e os
conflitos. O fato da Petrobras divulgar o caso de Urucu, no Amazonas, como uma
"vitrine" e viver levando comitivas para visitas completamente
guiadas e controladas não cancela as consequências intrínsecas da exploração,
por exemplo, um enorme volume de água de formação do petróleo, oleosa e
bastante contaminada, que é em geral descartada na rede superficial de
igarapés e lagos. Que eu saiba nunca foi feita qualquer investigação
independente nem uma perícia judicial nas dezenas de poços abertos
durante os últimos 25 anos, a maioria ainda em funcionamento, e nos rios
próximos da região de Urucu, para se saber a extensão dos danos e dos riscos.
Mas a simples consulta mais pormenorizada das fotos de satelite do
sistema Google Earth mostra muitos indícios de problemas.